Reportagem da Folha de Londrina na semana passada (19) repercutindo os efeitos das decisões do Comite de Política Monetária COPOM, em reduzir a taxa básica de juros trouxe a fala do presidente da FACIAP (Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado do Paraná), Fernando Moraes, que com muita propriedade,  aponta o crescimento do endividamento das famílias como fator de otimismo.

 Pode, para um leitor menos atento, parecer contraditório esta fala, mas é correta. No entanto  pesquisa do NuPEA (Nucleo de Pesquisas Econômicas da UTFPR) mostra que as famílias, especialmente as de Londrina, ainda não voltaram aos patamares de tomada de crédito de antes da COVID.

 A PEIC Londrina ...

A pesquisa de Endividamento e Inadimplência (PEIC) é realizada trimestralmente pelo NuPEA e procura levantar o perfil do comprometimento da renda familiar do londrinense, considerando o nível deste comprometimento, bem como o tempo, a faixa de renda da família e sua capacidade de quitação.

... é relevante para o comércio ...

O objetivo desta pesquisa é fornecer informações relevantes sobre a situação financeira dos consumidores, para os empresários do comércio de bens, serviços e turismo que utilizam o crédito como ferramenta estratégica, para suas ações mercadológicas.

... e para o setor público.

Mas também propicia um melhor entendimento sobre  dinâmica econômica e sobre o comportamento dos consumidores contribuindo para a formulação de políticas e ações que visem à saúde financeira da população.

Dívida e comprometimento de renda ...

A dívida, refere-se ao valor total que a família deve a terceiros e incluiu empréstimos, financiamentos, cartão de crédito, entre outros. O comprometimento da renda por sua vez, mostra o percentual que estas dívidas representam no orçamento familiar.

.. não são um mal em si...

As famílias tendem a comprometer uma fração maior de sua renda quando estão confiantes no mercado de trabalho, olham com otimismo para o futuro, há oferta abundante de crédito barato e a economia, como um todo, aponta para crescimento. Por essa razão Moraes vê o aumento do endividamento como razão para otimismo.

... embora possa ter motivações adversas.

No entanto, circunstâncias adversas como a perda do poder de compra em função de alta inflação, redução de renda ou desemprego, e outras circunstâncias imprevistas também são situações que levam ao aumento do percentual da renda comprometida com dívidas.

O problema está em não as honrar ...

As dívidas começam a ser um problema quando atingem um nível que compromete a capacidade financeira do indivíduo a ponto de ter que deixar de pagá-las e passa a condição de inadimplente. Este problema ficou evidente especialmente entre 2020 e 2023, quando a inadimplência foi recorde, em razão de endividamento por motivos ruins.

  ... pois afeta todo o sistema.

Além dos problemas que ocasiona para o devedor, o não pagamento impactará diretamente ao fornecedor do crédito que, a depender da elevação da inadimplência, também terá dificuldades de quitar seus compromissos, e isso pode viralizar para toda a economia.

Mesmo com condições favoráveis ...

Mas a roda virou. Aumento de crédito ao consumidor e juros básicos baixando (caiu 3% desde 09/23), taxas de desemprego em queda (7,6% em janeiro), crescimento da economia (11% nos últimos 3 anos) e redução da inadimplência, era sim, para se esperar um aumento na confiança das famílias que levasse ao aumento saudável na tomada de crédito.

... ainda estamos distantes de 2019...

No entanto, ainda não superamos todas as mazelas. A pesquisa trimestral realizada em dezembro de 2019 em Londrina, mostrava que 63,3% das famílias tinham dívidas, 20,1% estavam com alguma delas em atraso e somente 8,5% se declaravam sem condições de pagá-las.

... com frustação de pagamentos ...

Pois veja. A pesquisa realizada ao final de março/24(1) mostra que 74,5% das famílias têm dívidas, que 35,4% estão com alguma delas em atraso e 13,2% se dizem sem condições de pagá-las.

... resultado de um endividamento ruim.

Estes dados mostram que o endividamento está alto em razão de componentes negativos que ainda não foram totalmente assimilados, como a perda do poder aquisitivo em função da inflação e a necessidade de crédito para aquisição de itens básicos.

Ainda temos caminho difícil pela frente.

Será preciso primeiro recompor o orçamento doméstico e derrubar os índices de inadimplência de maneira mais significativa, para que então o consumidor possa tomar crédito de forma sustentável.

(1) PEIC 1 tri Londrina – disponível em https://www.nupea.org/comprometimento-de-renda


Dr. Marcos J. G. Rambalducci, Economista, é Professor da UTFPR. Escreve às segundas-feiras.