Para um olhar menos avisado, as contas públicas pareceriam sob controle, haja visto que a projeção de superar os 90% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2022, feita pelo IFI (Instituição Fiscal Independente) em 2020 não se confirmou.
As projeções atuais apontam que o governo federal deve entregar a dívida pública de 2022 em 76% em relação ao PIB, portanto bem distantes das sombrias expectativas anteriores.
Mas então por que da insistência em apontar que esta situação não se sustenta para 2023 e quais as implicações para nós, pobres mortais?
O dinheiro tem sua origem ...
O dinheiro que o governo utiliza para pagar seus gastos não é proveniente de um baú de recursos vindo de Marte, capaz de atender todas as demandas da sociedade e que só não são realizadas porque nossos mandatários têm o coração preto e peludo.
... da própria sociedade...
Esse dinheiro é proveniente da recolha que faz o governo sobre tudo o que o país produz, por meio dos impostos que pagamos. Daí três conclusões obvias: 1) o dinheiro é nosso; 2) o montante arrecadado depende de quanto produzimos; e 3) os gastos do governo tem por limite a sua arrecadação.
..., destinados a ela própria...
A gestão destes recursos é delegada ao governo eleito para utilizá-lo da forma mais racional possível a fim de atender as demandas da sociedade respeitando uma hierarquia de importância.
... e utilizados de forma racional.
Como os recursos são escassos e as necessidades infinitas, é preciso sim, ter uma hierarquia bem definida de gastos, para que se privilegie realmente aquilo que fará a diferença para nós como sociedade. Isso implica em que, várias demandas, por mais legítimas que sejam, não poderão ser contempladas.
Quando os limites são desrespeitados ...
Se o governo gasta mais do que arrecada, gera o chamado desequilíbrio fiscal, ou seja, falta dinheiro para cobrir suas despesas e para tapar esse buraco nas contas precisará pedir empréstimos, o que dá origem a chamada dívida pública.
... a dívida vira uma bola de neve ...
Caso os gastos superem a arrecadação de forma recorrente a dívida pública vai crescendo e para financiá-la o governo precisará pagar juros cada vez mais elevados em um processo que se retroalimenta.
... com consequências nefastas.
Juros mais elevados pagos pelo governo, retiram dinheiro que seria utilizado em investimentos produtivos que por sua vez geram mais empregos e renda, e que aumentariam a base arrecadatória do próprio governo.
Uma redução artificial ...
Embora 2022 feche com uma dívida pública em queda, (em fevereiro do ano passado atingiu 89% e as projeções calculam encerrar o ano a 76% do PIB) esta foi decorrência da recuperação econômica atípica, inflação alta, que eleva artificialmente a arrecadação e o adiamento no pagamento de precatórios.
... que não se sustenta para 2023 ...
Além destas situações não terem a menor chance de se repetirem em 2023, as promessas de campanha de aumento do Auxílio Brasil, a necessidade de reajuste dos servidores, o pagamento de contas adiadas e a queda na arrecadação devem provocar um rombo de R$ 430 bilhões no Orçamento segundo cálculos do Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas.
... exige um outro discurso.
Em vez de populismo, precisamos de um discurso que mostre claramente como o novo governo administrará este descontrole dos gastos, de maneira a sedimentar as bases para que o governo tenha reais condições de investir em áreas cruciais como saúde, educação e segurança e que levem a taxas de juros mais baixas e a evitar aumentos na carga tributária.
Marcos J. G. Rambalducci - Economista, é Professor da UTFPR. Escreve às segundas-feiras.